No dia 24 de janeiro de 2021, foi noticiado um acidente com aeronave Beechcraft Baron B55 nas proximidades da pista particular da Associação Tocantinense de Aviação (SWEJ), no estado do Tocantins. A aeronave teria se acidentado após a decolagem, causando ferimentos fatais a todos os ocupantes.
Como sempre, acidentes com bimotores leves são cercados de especulações sobre o desempenho desta classe de aeronave quando um motor está inoperante. Muitas opiniões sem fundamento passaram a circular massivamente pelas redes sociais, até em grupos especializados, podendo confundir o entendimento que um piloto de bimotor leve deveria ter para operar estas aeronaves com segurança.
Vamos listar aqui fatos e prováveis deduções destes fatos (alguns valores são estimados e podem variar de acordo com o número de série da aeronave).
O Baron B55 é uma aeronave bimotora leve, com capacidade para até seis ocupantes. O peso básico vazio é de aproximadamente 3.236 lb e o peso máximo de decolagem é de 5.000 libras, resultando em uma carga útil aproximada de 1764 lb (800kg) para ser dividida entre combustível, os seis passageiros e bagagem. Tem capacidade para até 136 galões de combustivel (cerca de 816 libras/370 quilos).
A aeronave faria a rota de SWEJ até SBGO (Goiânia), uma distância de aproximadamente 450NM. Considerando a quantidade de passageiros, bagagem e combustível, pode-se estimar que estaria operando próximo ao peso máximo de decolagem.

A aeronave decolou de SWEJ, uma pista de 1026m de comprimento a 988ft de altitude. Um Baron B55 no peso máximo de decolagem, com temperatura ambiente de 25ºC e vento calmo, necessita cerca de 520m (1700ft) de corrida no solo e cerca de 760m (2500 ft) para superar obstáculo de 50ft de altura. A distância de aceleração e parada, considerando uma velocidade de decisão de 84 nós, é de aproximadamente 1097m (3.600ft).


A aeronave foi encontrada aproximadamente a 500 metros da pista (foto abaixo). Não tenho informação se foi no setor da decolagem ou se no setor de aproximação em um eventual retorno para pouso. As características dos destroços são compatíveis com um impacto de baixa velocidade horizontal e elevada razão de afundamento. O fogo e explosões pós-impacto, relatados por testemunhas, são compatíveis com a existência de combustível nos tanques da aeronave. Os seis ocupantes sofreram lesões fatais.

NINGUÉM AINDA SABE o que aconteceu neste evento e a tarefa e autoridade de determinar as causas é tão somente do CENIPA. Porém, a quantidade de opiniões emitidas por pilotos nas redes sociais, sem qualquer fundamento técnico sobre desempenho de um bimotor leve com falha de motor em voo, nos traz elevada preocupação e, novamente, a oportunidade de relembrar alguns conceitos essenciais sobre a operação desta categoria de aeronaves, independente do que ocorreu neste evento.
O Beechcraft Baron 95-B55 voou pela primeira vez em 1960 e foi certificado conforme os requisitos do regulamento FAR 23. O Pilot’s Operating Handbook / Airplane Flight Manual da aeronave apresentam as cartas de desempenho de gradiente de subida com um motor inoperante. Nas condições estimadas do acidente, considerando a aeronave no peso máximo de decolagem, o gradiente de subida com um motor inoperante (OEI) seria de aproximadamente 3%. Este é o valor mostrado no manual e os pilotos tendem a acreditar que uma falha na decolagem vai resultar neste gradiente de subida.
ISTO NÃO É VERDADEIRO –

A carta de gradiente de decolagem com um motor inoperante define, no seu canto superior esquerdo, as condições para aquele gradiente ser alcançado: potência de decolagem, trem de pouso recolhido, flaps recolhidos e hélice embandeirada. Portanto, se alguma destas condições não estiver presente, a aeronave não apresentará o desempenho mostrado na carta. Se a falha ocorrer antes do recolhimento do trem, antes do recolhimento do flap ou antes do embandeiramento da hélice, o avião não terá o desempenho mostrado na carta. E ninguem pode prever qual será o desempenho pois isso não fez parte da campanha de testes da aeronave. Por que não?
A categoria de aviões bimotores leves está apenas um degrau acima dos monomotores em termos de segurança operacional e seu desempenho é regulado pelos requisitos de certificação FAR 23 (ou o equivalente RBAC 23 no Brasil). Os requisitos em vigor na época de homologação do Beech Baron B55 diziam o seguinte:
Sec. 23.67 – Subida: um motor inoperante.
(a) Para aviões movidos a motores a pistão de categoria normal, utilitário e acrobático de peso máximo de 6.000 libras ou menos, aplica-se o seguinte:
(1) (…) cada avião com uma velocidade de estol (Vso) de mais de 61 nós deve ser capaz de manter um gradiente de subida constante de pelo menos 1,5 por cento a uma altitude de pressão de 5.000 pés com:
(i) Motor crítico inoperante e sua hélice na posição de arrasto mínimo;
(ii) Motor restante a não mais que a potência máxima contínua;
(iii) Trem de pouso retraído;
(iv) Flaps das asas retraídos; e
(v) Velocidade de subida não inferior a 1,2 VS1.

Portanto, NÃO EXISTE REQUISITO para aviões bimotores leves, com peso menor do que 6000lb, demonstrarem desempenho positivo de subida em CONFIGURAÇÃO DE DECOLAGEM. Após uma falha de motor na decolagem, aviões desta categoria devem ajustar a configuração aerodinâmica e manter ou a velocidade de melhor ângulo de subida monomotor (Vxse) ou de melhor razão de subida monomotor (Vyse), respectivamente 91kt e 100kt para o B55, pois estas velocidades resultarão no melhor desempenho que o avião pode fornecer para aquelas condições operacionais.
A tentativa de reduzir a velocidade para manter o voo provoca aumento significativo do arrasto aerodinâmico e coloca a aeronave muito próxima da velocidade de estol ou da velocidade mínima de controle (Vmca), na maioria das vezes levando ou à um impacto de baixa velocidade mas com elevada razão de descida (estol) ou perda do controle direcional e impacto em espiral descendente (Vmca), ambos fatais. Após uma falha de motor, o piloto deve manter a velocidade e a configuração recomendada pelo manual pois isto resultará no melhor desempenho, mesmo que seja uma descida. E se resultar em descida, o piloto deve preparar o pouso forçado em condições controladas, na velocidade de descida recomendada, sem deixar a aeronave estolar antes do toque. Não há mais nada a ser feito.
O próprio manual do B55, no capítulo de procedimentos de emergência, define que, no caso de uma falha de motor logo após a saída do solo e em voo, um pouso imediato é recomendável independente do peso da aeronave. O manual declara que a continuação do voo não poderá ser garantida se o peso de decolagem exceder o peso determinado pelo gráfico de peso de decolagem.

Vejam que o texto do procedimento de emergência não deixa tão claro para o piloto que o desempenho mostrado no gráfico só ocorre com a aeronave na configuração lisa, com trem e flap recolhidos e com a hélice do motor inoperante embandeirada. Muitos pilotos acreditam, erroneamente, que terão gradiente positivo na decolagem, mas isto não é verdade enquanto a aeronave não estiver na configuração prevista na carta. Ninguém sabe qual o desempenho do avião com trem e flaps baixados e com hélice não embandeirada pois isso nunca foi testado nem pelo fabricante, mas alguns pilotos nas redes sociais chegam até a citar valores e regulamentos que não existem. Já imaginaram o quanto estas opiniões equivocadas ou sem fundamento podem influenciar negativamente um piloto menos avisado e provocar outra tragédia?
Neste tipo de emergência em bimotores leves, o foco deve ser manter o controle da aeronave e a velocidade recomendada no manual, mesmo que isso leve ao pouso forçado. Mas o que acontece na prática, o tal erro clássico, é que com o arrasto excessivo do trem de pouso baixado, dos flaps estendidos e da hélice em molinete, o piloto tenta extrair um desempenho que a aeronave não tem e acaba permitindo um decréscimo da velocidade até chegar no estol ou na Vmca, tornando-se mais uma vítima do clássico acidente fatal com bimotores leves.
Mais uma vez, ninguém sabe ainda o que aconteceu no acidente com o B55. Enquanto isso, conhecer o desempenho e limitações do seu bimotor leve, assim como os procedimentos de emergência, é crucial para garantir a sobrevivência dos ocupantes em caso de falha de um motor em voo.

Veja vídeo-aula sobre este assunto no YouTube, no link abaixo:
Veja artigo sobre TÉCNICAS DE POUSO FORÇADO neste blog. no link abaixo:
https://culturadesegurancadevoo.blogspot.com/2019/02/sobrevivendo-ao-pouso-forcado.html
Sobre o autor
Aprendi que a palavra CULTURA pode ter sete diferentes significados. Mas quando decidi usá-la no título deste blog, pensei em apenas dois contextos. Primeiro, a Cultura como “conhecimento”, divulgando aqui informação de segurança de voo que ajude outros colegas a evitarem algumas armadilhas da aviação. E, segundo, a Cultura como “um conjunto de crenças, valores e padrões de comportamento” fomentando a valorização da prevenção de acidentes, seja no nível pessoal, seja no organizacional. Esta é a intenção. Seja bem-vindo.
David Branco Filho

Boa noite , pelas condições do terreno , o local sem obstáculos , terreno plaino , cerrado baixo , como a pane aconteceu em seguida da decolagem , a baixisima altitude , com trem em baixo , flapeado , acho q os procedimentos ” as vezes o q tá no regulamento , não a tempo , nem de embandeiramento do motor em pane ” a solução é um pouso de emergência em frente , sem proceder , ” nenhuma manobra “.
Assim eu penso.
Sim , todo briefing de decolagem acima do envelope aerodinâmica , e interromper a decolagem se a velocidade não atingiu a Vr . Se houver pista suficiente , pouso em frente e parada . Caso a pane sobrevir logo após s Vr e não tenha pista suficiente o pouso deverá ser executado em frente , livrando obstaculos . Não tente voar nestas condições , com trem baixo , flap aplicado , excesso de peso , pois , a possibilidade de êxito e praticamente inexistente . Reduz , corta e joga em frente , está e minha opinião Vom 45 anos de experiência em voo